Na primeira publicação de uma espécie de Diário da Quarentena, vamos destacar o poema Setilha do Tempo Bendito, do artista Raul Rozados.
Da antiguidade à época medieval, da Renascença à contemporaneidade, por conta de cenários semelhantes ao atual, de medo, angústia, perdas, reclusão e isolamento coletivos e de pausa compulsória surgiram grandes obras-primas e inúmeras produções artísticas de inegável qualidade.
De Camus a Frida Kahlo, de Graciliano a Shakespeare, seja na literatura, nas artes plásticas, na música ou na dança, a arte surge como válvula de escape e acaba por representar o caos do momento, enfrentado pelo mundo todo e transformando o planeta.
Em meio a milhares desses registros artísticos, um em particular chamou nossa atenção de modo especial. Trata-se de um vídeo postado no Youtube, há pouco menos de um mês:
O texto declamado por Carla Sapuppo reproduzimos logo abaixo, em que o ator, diretor, produtor e fotógrafo Raul Rozados se inspira para testemunhar, exprimir e transcender sua visão sobre o novo tempo, a esperança e a sabedoria de vida que se pode extrair dessa pandemia.
Com seis estrofes de sete versos, a Setilha do Tempo Bendito de Rozados é um singelo e tocante poema que tem comovido leitores e seguidores nas mídias sociais, sintetizando alguns reflexos dessa fase.
Seu título e métrica rapidamente captam a atenção do leitor, assim como seu lirismo e delicadeza no tratamento do tema. A lição e a mensagem que ficam são que o passado não volta, o futuro é incerto e o agora, o presente, é a benção que nos resta.
Coerente com essa nossa travessia, enseja uma profunda meditação sobre o viver um dia após o outro sem esperar muita coisa, os momentos eternos ao lado de quem amamos, já que a vida é uma só e muito preciosa para se antecipar o futuro…é aproveitar o hoje e sonhar sempre, sem expectativas ou planejar demais.
Carla Sapuppo, que com sensibilidade e interpretação irretocável empresta sua voz ao texto, é professora e atriz há mais de vinte anos, e uma das fundadoras da Tragatralha Companhia de Teatro (2004), juntamente com Rozados, seu marido, e os amigos Edvaldo Oliveira e Rafaela Arthuso, além de Vagner Chiarini, que uniu-se ao grupo em 2011. O núcleo é filiado à Cooperativa Paulista de Teatro, com sede em Piracicaba (SP).
E vamos ao poema!
Setilha do Tempo Bendito
Passado, presente, futuro?
Cessaram-se todos os planos
Um dia por vez nos basta
livre-nos dos desenganos
O invisível vem e nos desafia
mais valor há em cada dia
que no acumulado dos anos
Com seus minutos e horas
vem tempo bendito
Vem com sua pena ensinar
aquieta o coração aflito
Agora cada dia é um dia
vem tempo da sabedoria
deixe-nos seu manuscrito
Livra-nos dos males do corpo
mas fica na nossa alma
Agora cada dia é um dia
toma a nossa mão pela palma
Vem tempo da sabedoria
ensina outra melodia
preencha-nos com sua calma
O futuro não existe
e nem tudo é mercadoria
Tempo bendito nos conceda
a benção de mais um dia
Novo tempo eu te saúdo
quem presta atenção a tudo
aprende a sua poesia
Dor e alegria sempre há
disso sabe todo o vivente
Mas a alegria será maior
se a paz estiver presente
Tempo da justiça e igualdade
vem nos livrar de toda a maldade
vem proteger o inocente
A lição é valiosa
nós devemos agradecer
Agora cada dia é um dia
não nos permita esquecer
Apesar de toda a dor
nos mostra o que tem valor
Mais amor, sabor e saber