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Os negócios da economia colaborativa e a questão tributária

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A economia colaborativa refina a forma dos atores econômicos e permite o surgimento de protagonistas até então inexistentes nos modelos de negócios tradicionais em diversos setores como os da hotelaria, dos transportes, alimentação e outros.

Ela cria também modelos de negócios e estruturas comerciais que não foram alcançados pelo legislador. Uma vez que ainda não existiam à época da produção legislativa.

As tecnologias disruptivas atreladas à chamada era digital vem causando enormes transformações na vida das pessoas. Conceitos tradicionais como mercadorias, venda, serviços e circulação são flexibilizados e questionados.

Barreiras são rompidas, impondo o estreitamento das relações que anteriormente se davam de forma física e onipresentes. Isso vem intensificando sobremaneira o tráfego de dados e impactando diversas áreas, como o entretenimento, a cultura, o comércio. Naturalmente, impõe-se a edição de novas leis e revisão dos marcos legislativos.

Com o escopo de adaptar os regimes de tributação ao novo contexto de economia colaborativa, cujos exemplos mais notáveis são o Airbnb, Uber e TaskRabbit, a União Europeia criou um framework no âmbito do Comitê Econômico e Social, sem perder de vista o princípio da neutralidade, a fim de, não apenas não interferir o desenvolvimento do mercado, mas, sobretudo, porque a economia digital é um sistema capaz de gerar outros cases, modelos e utilidades.

A preocupação europeia é relevante. Pois essas empresas intermediadoras conseguem escapar da incidência de impostos tradicionais. E o ônus termina recaindo sobre outros atores. Esses gigantes digitais da economia colaborativa costumam recolher o imposto de renda nos países onde abrigam suas sedes. Geralmente, localizadas em jurisdições com pouquíssima incidência tributária.

Empresas de economia colaborativa costumam abrigar suas sedes em lugares de baixa incidência tributária

O Uber, por exemplo, utiliza a Holanda e as Bermudas como destino da maior parte dos seus rendimentos. Já o Airbnb possui bases operacionais físicas nos Estados Unidos, na China e na Irlanda. Cumpre lembrar que tais empresas ainda não registraram lucro em seus balanços. Isso significa em não incorrer no fato gerador do imposto de renda.

O planejamento tributário para escapar dos impostos convencionais é possível em razão da própria natureza destes negócios. Grande parte do seu valor está concentrado em intangíveis (propriedade intelectual), bem como na expectativa de ganhos futuros (valuation). E não há a presença física dessas empresas nas transações nas quais participam.

Os sistemas tributários da grande maioria dos países ainda não estão preparados para lidar com esse modelo. Nele, as remessas de dinheiro que poderiam ser consideradas lucros e ingressar na base tributária são movimentadas como royalties sobre o uso de propriedade intelectual. Com isso, não são alcançadas pelos tributos.

Em relação ao imposto sobre serviços, essas empresas de economia colaborativa sustentam que apenas realizam a intermediação entre quem está prestando o serviço (de hospedagem ou transporte, por exemplo) e o consumidor final. Logo, não estariam submetidas à incidência tributária do ISS. Justificam isso pois não exercerem as atividades tradicionais sujeitas ao gravame.

Diante desse cenário, a ideia central dos governos nacionais em matéria de política tributária consiste em evitar ou reduzir a possibilidade de que plataformas sediadas no exterior causem erosões de bases tributárias, através da transferência de benefícios a países com baixo imposto de renda corporativo.

Algumas particularidades desses negócios chamam a atenção. Entre elas sua rápida valorização num curto espaço de tempo. Deixando a milhas de distância, em valor de mercado, diversas companhias tradicionais. Também o faturamento gerado por esses players digitais atingem volumes e cifras astronômicos.

A abertura de capital da UBER na bolsa de valores da Nova York, cotado como maior IPO da história, acabou decepcionando. Após oferta inicial da ação pelo valor de 45 dólares, os papéis caíram 7,6%, indo para o valor de 41,57 dólares.

A empresa, que esperava levantar 8,1 bilhão de dólares, foi avaliada em 81 bilhões. Bem longe dos 100 bilhões esperados até meses atrás. O grande desafio dessas empresas de economia colaborativa é mostrar ao círculo de investidores que o seu negócio é sustentável. E, principalmente, que pode ser lucrativo.

Se são vistos por alguns como uma solução moderna e auto regulável, começam a ser vistos por outros como modelo de negócios construído em torno do não pagamento de impostos locais sobre a operação.

Apesar de não atuarem fisicamente em países e cidades ao redor do mundo, essas empresas estão virtualmente presentes em cada um desses entes públicos, obtendo percentuais de ganho em cada operação local que ajudam a realizar. Desse modo, funcionam como agentes econômicos nas diversas operações mundo a fora que são intermediárias.

Recentemente, a Associação Brasileira da Indústria de Hotéis (ABIH) ingressou com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN) no Supremo Tribunal Federal (STF),  exigindo que o serviço de hospedagem Airbnb pague o Imposto sobre Serviços (ISS), ou que os hotéis deixem de pagar o imposto cobrado pelos municípios. A ADIN ainda está aguardando julgamento pela Suprema Corte.

Outra questão que a economia compartilhada tem levantado, diz respeito à natureza da relação entre as plataformas e os prestadores de serviços. Seriam estes prestadores contratados independentes ou de fato, empregados das plataformas?

Empresas de economia colaborativa obtiveram economias fiscais classificando prestadores de serviços como profissionais independentes ao invés de funcionários. Esta talvez seja a principal forma pela qual o imposto de renda contribuiu para o crescimento econômico da economia compartilhada.

O cenário marcado pela atuação dos negócios de economia colaborativa também foi apelidado como “GigEconomy” (ou seja, “economia de bico”), uma vez que fomenta situações de subemprego, que se traduzem em pouca distribuição de renda (concentrando riqueza em alguns poucos negócios digitais).

Ainda outro ponto que não pode passar despercebido: a maioria desses startups não consegue ultrapassar a barreira da casa dos R$ 1 milhão em valor de mercado e se tornarem “unicórnios”. Percebe-se assim que muita riqueza foi gerada para alguns players. Mas uma efetiva distribuição de riqueza ainda não ocorreu, pois a maioria dessas startups fracassa logo no início.

Há ainda outras questões que podem parecer mais delicadas do que as preocupações fiscais, como a questão da segurança: os não residentes em uma locação de curto prazo estariam preparados para uma hipótese de incêndio?

Já nas cidades onde a habitação é limitada, pode haver preocupações de que a conversão generalizada de apartamentos em aluguéis de curto prazo amplie a escassez de moradias e aumente ainda mais os custos de moradia (em cidades como Lisboa e Paris essa preocupação já é real).

Com efeito, é preciso haver alguma regulação para garantir o interesse público e proporcionar equilíbrio às relações comerciais.

“Mesmo tendo ciência que tais empresas não operam o negócio, se você presta uma atividade econômica, tem que haver regulação”, afirma o economista Bruno Sobral, professor da Universidade Estadual do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). “Mesmo que Uber e Airbnb argumentem que colocam A para conversar com B, numa perspectiva econômica, vejo uma prestação de serviço”, completa.

Novos formatos digitais estão tornando necessário criar novas formas de tributação

Como se viu ao longo desse estudo, os novos formatos de digital business vêm rompendo barreiras, impactando profundamente as relações comerciais tradicionais e atuando num vácuo de regulamentação. A partir desse contexto, diferentes teorias e pontos de vista são desenhados sobre qual seria o melhor caminho para uma adequada tributação dos mesmos.

Novas formas tributárias têm sido propostas, como a criação de um “SIMPLES de informática”, um novo tributo de competência residual da União. Alguns defendem a criação de um IVA para regular essas atividades.

Outros consideram que o modo mais adequado seria tributar tais atividades como serviço de intermediação, cobrando ISS. Há ainda quem sustente que a hipótese em análise nada mais é do que a economia tradicional, sendo acessada (ou seja, não seria serviço, mas produto).

A verdade é que o debate encontra-se travado em vários lugares. O continente europeu ainda não conseguiu chegar a um consenso; o Brasil tampouco consolidou um entendimento sobre tais questões.

No contexto brasileiro, o cenário parece ainda mais nebuloso, uma vez que os debates tributários tradicionais ainda se repetem (como o dualismo anacrônico entre o conceito de mercadoria e serviços, com o eterno conflito de competência entre estados e municípios).

Ademais, permanecemos falando de tributação de software (tema já pacificado em várias jurisdições mundo a fora). Não há um debate mais amplo sobre como será tributado cada um desses novos atores. E vários outros problemas (não alcançados pelas normas vigentes) são incorporados ao debate, dificultando ainda mais um consenso no país.

O que se percebe é uma degeneração do sistema tributário em razão da pressão por arrecadação, nas três esferas públicas, que disputam espaço em busca de financiar suas crescentes despesas. Nesse cenário, o sistema tributário brasileiro atual acaba contribuindo para formação de um ambiente inóspito à inovação, ao desenvolvimento da economia e dos negócios no país.

Tarik Vervloet Fontes é advogado e consultor tributário e membro do Núcleo de Direito Tributário da Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas.
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