O fotógrafo afro-brasileiro, César Fraga, e o Professor Doutor de História da UERJ, Maurício Barros de Castro, percorreram locais de memória da África moderna, por onde estimados cinco milhões de africanos escravizados atravessaram o Oceano Atlântico, para movimentar a economia do Brasil Colônia e Império (1530-1888).
O registro dessa expedição foi extraído em 10 episódios da série Sankofa – A África que Te Habita. A obra, que apresenta contos mitológicos narrados pela atriz Zezé Motta, também retrata a resistência de grupos regionais para manter a cultura ancestral incorporada à identidade brasileira.
Partindo de Fortaleza, o projeto viajou por nove cidades das quatro rotas do tráfico transatlântico. São elas: Guiné (Cabo Verde, Guiné-Bissau e Senegal), Mina (Gana, Togo, Benim e Nigéria), Angola e Moçambique. A idealização do roteiro partiu da necessidade de César reencontrar suas raízes.
“O que mais me incomodava é essa ausência de informações da África pré-período escravocrata no Brasil. Ficava me perguntando: e antes do navio negreiro, o que acontecia lá?”, questiona o carioca, neto de escrava.
A cada destino, César registrou vestígios de monumentos, tradições locais e beleza de povos em fotografias, no seu primeiro trabalho profissional nesta linguagem. O resultado virou exposição e ilustrou o livro Do Outro Lado, com pesquisa histórica escrita por Mauricio.
No primeiro episódio da série, César e Maurício explicam as dificuldades de viabilização da viagem, no momento em que o estudo da diáspora africana ganha progressiva relevância mundial e contextualizam a inscrição do sítio arqueológico do Cais do Valongo na lista de Patrimônio Mundial da Unesco, oficializada em 2018.
Trata-se da maior porta de entrada de escravizados do mundo, localizado na zona portuária do Rio de Janeiro. Pelo local, estima-se que passaram aproximados um milhão de pessoas. A discussão também ganha profundidade com a análise dos Professores Doutores de História da África, Mônica Lima (UFRJ) e Paulo de Jesus (UFRB).
No Senegal (3º episódio), César e Maurício conhecem a África muçulmana da colorida e contemporânea capital Dakar. Se surpreendem com a beleza e tranquilidade da Ilha de Gorée, rota com menor número de escravos vindos ao Brasil, mas em sua maioria destinados ao Maranhão.
Coordenadores do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros da UFMA, Carlos Benedito e Kátia Regis defendem a necessidade de se aprender a herança africana, a exemplo do Tambor de Crioula, em escolas do ensino fundamental no Maranhão, o estado com maior concentração de afrodescendentes do país.
A diversidade religiosa também é tema do episódio final. Os viajantes identificam a influência árabe em Moçambique, última rota do tráfico.
César e Maurício conhecem as afinidades entre Brasil e Nigéria (8º episódio) ao visitar templos em Ilê Ifé onde os orixás são cultuados. Exploram o intercâmbio cultural contrário ao assistir desfile de carnaval levado ao país africano por Agudás, como eram chamados os africanos livres e seus descendentes. O carnavalesco Milton Cunha explica a alegria que permeia a festa e une os dois povos.
Em Angola (9º episódio), a dupla conhece a pegada da Rainha Ginga, símbolo da resistência feminina à colonização portuguesa. A Doutora em Línguas Africanas da Universidade do Zaire, no Congo, Yeda Pessoa explica como a babá de origem angolana influenciou vocabulário e formação cultural das famílias brasileiras. A jornalista de economia Flávia Oliveira contextualiza como as mulheres ajudaram a “viralizar” o orgulho afrodescendente no século XXI.
As fábulas inseridas em todos os episódios buscam valorizar a cultura afro oral, transmitida entre gerações como ensinamentos ancestrais que preservam o pensar africano. A história do maior guerreiro do mundo, Ogum, é uma delas.
A falecida Tia Maria, guardiã do Jongo da Serrinha, a Iyalorixá de São João do Mereti, no Rio de Janeiro, Mãe Menininha de Oxum, o historiador membro da Academia Brasileia de Letras, Alberto da Costa e Silva, o antropólogo carioca Milton Guran e o sociólogo baiano Muniz Sodré são outros personagens entrevistados pela série.
Sankofa – A África que Te Habita é uma produção da FBL, com criação e produção dirigida por Rozane Braga e roteirizada por Zil Ribas. ‘Volte e pegue’ é o significado de ‘Sankofa’, que em culturas afro são simbolizadas por um pássaro com a cabeça voltada para trás, o que representa o retorno ao passado para dar outro significado ao presente e construir o futuro.