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O passageiro Corona

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Eu não era nascido quando o fluxo de viagens de passageiro entre continentes foi interrompido durante as duas grandes guerras. Todo mundo viajava de navio. E, principalmente no Atlântico Norte, a interrupção do trafego entre continentes foi devastadora para as companhias de navegação – que já haviam tomado uma surra do crack de 1930.

Mas é claro, haviam exceções. O Serpa Pinto, um “paquete” comprado dos ingleses pela Angolana Companhia Colonial de Navegação foi um navio de passageiro que operou em duas frentes entre 1940 e 1955: trazendo judeus e outros perseguidos pelos alemães da Europa para a América e levando de volta alemães expulsos daqui para sua terrinha.

Foi o Vessel que mais viagens fez entre Lisboa, NYC e Rio, parando ali pelo Caribe e também pelo porto de Santos, ficando conhecido pelos epítetos de “Navio da Amizade”, “Navio Herói” e “Navio do Destino”. Adoro epítetos!

Alguns navios de grande porte de empresas como a Cunard (requisitados pelo governo britânicos) conseguiram ultrapassar as águas da guerra e com isso, depois de seu término voltaram como toda a força para as linhas comerciais de transporte de passageiro – como foi o caso de Queen Mary e Queen Elizabeth. Porém foram apenas alguns: a maioria ficou ancorada nos portos europeus, escondidos dos torpedos germânicos.

Observando entretanto o nosso corajoso Serpa Pinto, em todas as suas viagens, ele sofreu apenas 3 baixas e todas de uma única vez: foi abordado por um U-boat alemão que aguardava ordens de Berlin para torpedeá-lo.

As ordens vieram em contrário, reconhecendo sua neutralidade mas, que ironia, o seu médico morreu do coração; o cozinheiro Angolano do navio jogou-se ao mar e foi esmagado entre os dois barcos e um passageiro neném com poucos meses, desapareceu. E foi isso.

Protegido por uma imensa bandeira lusa pintada em seu casco, tal e qual um amuleto contra o mal; com suas chaminés listradas de verde e vermelho e a bandeira portuguesa ao mastro, recém abraçada pelo povo e sua assembléia em 1910, o Serpa Pinto passou incólume sem apertar mãos, sem máscaras cirúrgicas, sem álcool gel e sem fugir de aglomerações.

Para ele: tudo bem. Mas para as outras companhias de navegação domiciliadas na própria guerra, o mundo parou por 5 anos. Atualmente, uns 90 dias de aeroportos fechados seriam equivalentes a este 5 anos: sabe-se lá quem sobreviveria economicamente, ainda mais com as bolsas caindo a dois dígitos diariamente.

O setor de viagens e turismo, e em particular a hotelaria, inacreditavelmente louvada pelo superministro Paulo Guedes dia 12 de março, terá dificuldades monumentais para se recuperar desta recém declarada pandemia.

Aeroportos fechados, congressos e eventos agendados para as Calendas Gregas, voos cancelados em P.A. e para mim, o sinal da besta: a Disney fechando seus parques sem programação de abertura. Tudo isso nos afeta como setor produtivo no meio da testa.

É aquele tiro de sniper que nos imobiliza instantaneamente. Claro que nosso clima (em oposição ao fim do inverno europeu) nos ajuda assim como nossa predileção por atividades outdoors como parques, praias e cachoeiras. O calo doído é que nossas viagens internacionais, como diria o Cazuza, “agora é risco de vida!”. Sobra o que então?

Ora, ora! Sobra a extraordinária oportunidade de jogar brasileiros pelo Brasil ou por todo o cone sul. Vai de lua de mel para França? Não, não vai: vá lá no Vale do Maipo e deguste alguns dos melhores vinhos do mundo a preço de Corona… Vai de aniversário para a Itália? Não, não.

Vai! Vá para Mendoza e prove o que o Francis Mallman faz de melhor. O que mais? Jalapão, Deserto de Sal, Lençóis (maranhenses ou baianos), Atacama, Amazonia e o maior arquipélago fluvial do mundo, etc, etc. E por favor, dê uma chance ao Rio de Janeiro que, independente do prefeito cruz-credo, merece nossa visita.

Agora é a hora do super-ministro mostrar a que veio e determinar a ajuda financeira dos bancos de fomento (BNDES, BNB, BASA e BB) a quem precisa ser fomentado: hotéis, pequenas pousadas, transportadores, atrações e MEIs (guias, bares, etc). Não sou, nem os convido, a ser avestruzes que enfiam a cabeça na terra para não ver ameaças.

O Covid-19 é muito grave e tomou proporções mundiais muito rapidamente. Através de poderosos algoritmos chineses, podemos ser informados a tempo da atual situação e do que se avizinha propondo soluções sociais, clínicas e anti-pânico. Mas é obvio que seremos muito menos atingidos aqui do que os irmãos do hemisfério norte que nem tempo de organização tiveram. Não se trata da peste bubônica, mas não podemos descuidar.

E se enquanto isso, nosso setor puder se beneficiar economicamente sem prejuízo de nenhum outro nem de outro destino, vamos lá. Ganhar uns cobres extras é sempre bem vindo.

Artigo de Julio Gavinho, sócio e diretor da MTD Hospitality
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