Ela aconteceu em 1995 e o destino foi Jericoacoara, então uma pequena vila de pescadores, no litoral do Ceará. No final do ano anterior, tinha deixado o cargo de editor e fotógrafo de um grande jornal do Rio de Janeiro. Depois de trabalhar por quase 8 anos praticamente sem folga, a ideia era continuar… trabalhando, mas também, se divertindo muito. Mas dessa vez num projeto fotográfico autoral e fazendo uma das coisas que mais gosto na vida: viajar.
Um grande amigo, que já conhecia o lugar, comentou que quando esteve na vila, havia ficado na casa de uma família de pescadores. E isso me chamou a atenção. Quando me contou detalhes da experiência, tive certeza: Jericoacoara era o lugar que eu procurava.
As imagens, tanto do lugar, como das pessoas que moravam na casa, me deixaram impressionado. Não apenas pela qualidade das fotos e da beleza das paisagens, mas principalmente pelas pessoas que ele registrara. Quando ele comentou que tinha vontade de voltar, imediatamente, pensei em fazer aquela viagem.
A partir daquele momento, começamos a planejar tudo. Menos de 2 meses depois estávamos embarcando para Fortaleza. Na bagagem, muitos rolos de negativos preto e branco e coloridos, algumas lentes e filtros (sim, a fotografia ainda não era digital!). E muita curiosidade de conhecer aquelas pessoas das fotos e ver de perto aquele lugar paradisíaco e diferente de tudo que eu havia conhecido na vida.

Chegar em Jericoacoara não era tarefa fácil. Saindo de Fortaleza pegava-se um ônibus para um pequeno município chamado Jijoca que levava cerca de 9 horas por uma estrada bastante precária.
Depois, a viagem seguia em caminhonetes e bugres por meio das dunas – por cerca de 40 minutos – até chegar ao destino final. A vila ainda não possuía luz elétrica e era composta por apenas uma rua, com poucos comércios. Além de algumas casas de moradores locais espaçadas e um pouco mais distantes. Seus habitantes viviam de pequenos trabalhos ou da pesca.

Em Jericoacoara, na casa de Dona Ciça
Assim que chegamos, fomos em direção à casa do Seu Filismino e da Dona Ciça, que ficava um pouco afastada do “centro” da vila. O casal nos recebeu com muita alegria, principalmente, por estar revendo meu amigo. Foi uma verdadeira festa, pois ele era muito querido pela família. Num casebre de quatro cômodos, onde todos moravam, havia várias crianças e adultos das mais variadas idades.

Durante o tempo que ficamos em Jericoacoara, vivi momentos de contato intenso com a natureza, com a riqueza cultural daquelas pessoas e, principalmente, com sua simplicidade. As crianças tinham nomes – nenhum registrado – como Missê Jonh, provavelmente em homenagem a algum gringo que passara por lá.
Outros dois, Nego e Nega, pareciam ter quase a mesma idade. Entre os adultos, a figura mais carismática, sem dúvida, era a chefe da família, Dona Ciça. Uma pessoa ao mesmo tempo afável e firme que tentava colocar ordem na casa.

Entre tantos momentos de alegria, muitas conversas e imensa satisfação que tivemos com aquelas pessoas, e foram muitos, talvez o mais engraçado foi quando o amigo que viajava comigo resolveu comprar uma lata de leite condensado para fazer doce de leite para as crianças.

Foi inacreditável. Todos ficaram enlouquecidos com a iguaria que nunca haviam experimentado e Missiê Jonh fechou com chave de outro o momento gulodice da viagem. Quando já não restava quase nada, saiu correndo com a lata para comer sozinho o que sobrara. Rimos muito.

E dessa forma, os dias foram passando numa convivência maravilhosa e respeitosa entre nós, seres urbanos, com aquela família de pescadores super afetuosa que nos recebeu com tanto carinho. Foi a melhor viagem da minha vida.