Fundado por Daniela Giménez e Nicolás Quirino Costa, La Capitana abriu as portas há três anos e virou ponto de encontro para quem busca comida de bodegón, vermuteria clássica e uma narrativa afetiva sobre o peronismo no país. “Estamos há três anos que abrimos, começamos com o projeto da La Capitana, com o meu companheiro de vida”, conta Giménez.
Militante e dona de longa trajetória em gastronomia, ela resume a essência do lugar: ” Somos restauranteus, militantes e peronistas desde sempre.” A aposta caiu no gosto do público que aguenta até 3 horas de fila: “E é um sucesso, sim”, diz a empresária.
Uma casa que recebe como família
Desde a entrada até a sobremesa, a hospitalidade é premissa. “Que tratávamos como se fôssemos em casa”, afirma Giménez, que enxerga o serviço como fio invisível entre mesa e memória. O ambiente é pensado para evocar lembranças de avós, louças, receitas e histórias, numa encenação carinhosa da Buenos Aires de outrora.
Figurinos de época: anos 40 e 50
Logo na entrada, um cabideiro exibe figurinos autênticos das décadas de 1940 e 1950 — entre eles, um imponente casaco de pele que pertenceu a uma peronista, acompanhado de sua carteirinha do partido. Os visitantes podem vestir essas peças e posar para fotos ou mesmo ensaios fotográficos em meio à mobília original e objetos que recriam a atmosfera daquele período histórico. A experiência permite não apenas observar, mas também vivenciar, através do figurino, a estética e o espírito de uma era marcada pelo peronismo e pela cultura popular.
A mística que vira celebração
No La Capitana, aniversários não seguem o roteiro comum. Depois do bolo e das velas, o salão inteiro bate palmas para cantar não o tradicional “parabéns”, mas a Marcha Peronista (Los muchachos peronistas). Criada a partir da melodia composta por Juan Raimundo Streiff e com letra posteriormente adaptada por Oscar Ivanissevich, a canção ganhou fama na voz de Hugo del Carril, em 1949, tornando-se um dos hinos mais emblemáticos do peronismo argentino. No restaurante, porém, a marcha se reinventa: palmas em uníssono e vozes cheias de entusiasmo transformam o hino político em ritual festivo, uma espécie de parabéns coletivo que já se tornou marca registrada da casa.
Coquetelaria com alma de 1940
O mixologista Nicolás Borda resume a carta: “A carta está orientada nos anos 40, 45, para homologar o que era a coquetelaria de antes.” Ele combina receitas da época com sotaque argentino — Amargo Obrero, Hesperidina, referências como a Espiridina — e expande o repertório para dialogar com paladares atuais. Borda nasceu na cozinha, mas, como ele conta, “comecei como cozinheiro… e acabo na barra”, hoje liderando a proposta líquida da casa.
Entre os destaques estão criações como Chapadmalal, No Me Olvides, Leguisamo Solo, ¡Viva Aperol!, Piropos Peronistas, El Restaurador, La Ahijada del General e Presidenta, que coexistem com clássicos conhecidos, mas sempre dentro da atmosfera que remete aos anos 40 e 50.
Destaque para o Chapadmalal que reinventa o tinto de verão em versão sofisticada. O Malbec se une ao vermute rosso e a um almíbar especiado para criar um coquetel aromático, refrescante e cheio de personalidade. Com frescor leve e elegância marcante, é a bebida perfeita para brindar com estilo.
A cozinha do chef Adrian David Euler
À frente do fogão, o chef Adrian David Euler conduz a proposta de La Capitana com a convicção de que cozinhar é também contar histórias. “Hoje em dia é uma cozinha clássica argentina, mais do que nada tratamos de nos meter nos anos 50. Os sabores são básicos, como os das nossas avós. É deixar um pouco o técnico e ir mais ao coração”, resume Euler. Seu repertório passeia por pratos emblemáticos da memória peronista, como o pastel de papa, a milanesa a caballo e o bife de chorizo criollo, mas encontra sua força quando tradição e técnica se encontram em pratos que parecem simples e chegam ao salão carregados de intenção.
Entre os destaques, os Hongos al Hierro surgem quentes, com perfume terroso e brilho de azeite, um aceno ao prazer imediato das entradas bem executadas. O Osobuco ao Malbec, cozido lentamente no forno até se desfazer no garfo, é servido com um purê de batatas liso e amanteigado que equilibra o molho agridulce da redução de vinho, com excelência em técnica.
A carne gelatinosa ganha brilho e profundidade, e cada garfada confirma a paciência do preparo. “Comecei na cozinha em 1999, vindo do direito, mas logo percebi que minha vocação estava em alimentar e emocionar”, relembra o chef, que hoje faz da brasa e do barro seus aliados.
Para encerrar, as Peras ao Borgonha trazem uma sofisticação clássica: frutas assadas lentamente em vinho tinto, aromatizadas com especiarias, que chegam à mesa rubi e brilhantes. A colher encontra a textura macia da fruta, o frescor do sorvete de mascarpone e o contraste dos frutos vermelhos.
O jogo quente-frio, doce-ácido, transforma a sobremesa em final perfeito, sem perder a simplicidade que define a cozinha de bodegón. Entre a memória afetiva e a execução técnica, Euler reafirma que sua proposta não é apenas alimentar, mas transportar o cliente para um tempo em que a mesa era, acima de tudo, espaço de encontro e discussão política.
Expressión Tango leva show surpresa ao restaurante La Capitana em Buenos Aires
O trio formado por Verónica Lena, Rodrigo Barraza e Jorge Sequeira surpreendeu o público do restaurante La Capitana com um espetáculo de tango breve e intenso. Conhecidos por transformar bares e espaços culturais em palcos improvisados, os artistas levaram à casa, batizada em homenagem a Evita Perón, a proposta de apresentações relâmpago de nove minutos.
Capacidade, público e fila na porta
No térreo são cerca de 48 lugares; no piso superior, uma agradável terraza — metade coberta — acomoda mais 50. Finais de semana registram picos expressivos de comensais, o que exige coordenação fina entre cozinha e salão e, às vezes, um pouco de paciência do público. É o preço do pertencimento: famílias, grupos de amigos e curiosos dividem o mesmo desejo de “voltar no tempo” por algumas horas.
Souvenires e memória afetiva
Entre as lembranças, destacam-se medalhas gravadas com a imagem de Eva Perón. Mais do que uma figura política, Eva se tornou símbolo afetivo e popular: conhecida como La Capitana, era vista como a verdadeira capitã do país. Sua presença ultrapassava o papel institucional; ela encarnava a esperança de uma Argentina mais justa, próxima dos humildes e dos trabalhadores.
Com sua atuação incansável na Fundação Eva Perón, dedicou-se a causas humanitárias, amparando órfãos, mulheres e desvalidos, transformando compaixão em ação concreta. Assim, cada objeto, cada medalha, carrega não apenas o rosto de Eva, mas também a memória de sua luta e do imaginário coletivo que ela ajudou a construir.
Quem foram os Perón
Juan Domingo Perón foi militar e presidente argentino em três mandatos não consecutivos. Ele articulou um movimento que uniu mundo do trabalho, sindicatos e um imaginário de ascensão social. Eva Duarte, atriz e líder política, transformou a ideia de justiça social em gesto cotidiano, da caridade organizada ao simbolismo das grandes aparições públicas. Juntos, reconfiguraram o repertório afetivo do povo — de marchas e slogans a pratos e hábitos — e deixaram como herança uma estética popular que ainda hoje inspira mesas, copos e histórias.
Serviço:
Endereço: Guardia Vieja 4446, Almagro, Buenos Aires, Argentina.
Reportagem e fotos: Mary de Aquino